A MULHER QUE SABE SEUS ATRIBUTOS: CAPACIDADE DE DESAFIAR AS
PROBABILIDADES E ENSINAR OUTRAS A FAZER O MESMOAs árvores filhas
(Do livro “A CIRANDA DAS MULHERES SÁBIAS – SER JOVEM ENQUANTO VELHA, VELHA ENQUANTOJOVEM”Da escritora Clarissa Pinkola Estés)
Toda árvore possui por baixo da terra uma versão inicial de
si mesma.
Por baixo da terra, a árvore abriga "uma árvore escondida",
feita de raízes vitais constantemente nutridas por águas invisíveis.
A partir dessas radículas, a parte escondida da árvore
empurra a energia para cima, para que sua natureza mais verdadeira, audaz e
sábia viceje a céu aberto.
O mesmo acontece com a vida de uma mulher.
Como a árvore, não importa em que condições ela esteja acima
da terra, exuberante ou sujeita a enorme esforço, ... por baixo da terra existe
"uma mulher escondida" que cuida da energia brilhante, aquela fonte
profunda que nunca será extinta.
"A mulher escondida" está sempre procurando
empurrar esse espírito essencial em busca da vida... para cima, para que
atravesse o solo cego e consiga nutrir seu eu a céu aberto e o mundo ao seu
alcance.
Seus períodos de expansão e reinvenção dependem desse ciclo.
... existem árvores que, apesar de tudo o que tenha dado
errado, conseguem enganar a todos — e sobrevivem para contar e ensinar sobre
seu admirável retorno à vida.
Conheci muitas dessas árvores vigorosas nos bosques do norte
onde passei a infância.
Contudo, naquela época, como ocorre com frequência na vida
das mulheres também, as grandes árvores eram repetidamente expostas a
riscos por conta de rápidos esquemas de incorporação imobiliária.
...
Nesse ambiente, as árvores, tanto as velhas quanto as novas,
eram ameaçadas diariamente pela poluição, pela invasão do seu espaço, por
alterações no lençol freático e, em consequência, pelo desequilíbrio dos
nutrientes essenciais que extraíam do solo.
Uma dessas árvores ameaçadas que conheci era uma enorme avó,
um choupo.
Essa árvore específica
tinha sobrevivido por vários séculos a todo tipo de intempérie, inundação,
congelamento e a todas as criaturas que tentaram corroê-la.
Ela era o que nós chamávamos de "árvore da nevasca no
verão" porque lançava suas sementes diminutas presas a uma reluzente
penugem branca. Elas voavam e flutuavam nos ventos quentes da primavera,
gerando uma tempestade de neve fina e transparente. Seria um equívoco imaginar
que, por lançar suas sementes em saias cheias de babados, ela fosse frágil.
Ela não era.
Era uma guerreira.
Um dia, porém, mesmo depois de provar seu valor nas
batalhas que nunca buscava, mas que vinham confrontá-la diretamente repetidas
vezes, e embora continuasse resistindo, ereta e majestosa... bem, um dia
ela foi "descoberta" por um grupo de gente armada de serras de arco e
machados.
E então, ao longo de algumas semanas terríveis — pois tamanha
era sua circunferência, tão profundos eram seu coração e sua força —, sem
nenhuma cerimônia, ela foi picada e derrubada.
Depois, foi levada embora por um grande caminhão preto com
chaminé.
Na serraria antiquada, de teto de zinco, ela foi mais
"desdobrada" — como se diz nas madeireiras — em madeira comum para
estrados de carga e caixotes.
E, como ocorre muitas vezes na vida de uma mulher, a
conclusão era que ela havia sido derrubada, e que agora esse era o seu fim.
E alguns, que tinham outros planos em mente, podem ter dito:
"Já vai tarde."
...
A vida de uma árvore, a vida de uma mulher, não precisava e
não precisa ser assim, tolhida e retalhada para abrir caminho para outra coisa
de valor duvidoso.
Há outros modos de viver sua vida e deixar outras vidas em
paz; de se harmonizar, de chegar ao pleno florescimento por toda parte.
Minha família vinha de uma tradição camponesa na qual as
árvores para corte eram separadas das árvores da floresta.
Eles semeavam árvores em áreas demarcadas: algumas para
vender, algumas reservadas para o uso da madeira.
Mas, as gigantes da natureza eram encaradas de outro modo...
As árvores da floresta não deviam ser derrubadas, pois as
grandes árvores eram as verdadeiras guardiãs do povoado.
As árvores guardiãs eram a proteção da aldeia contra o calor
do verão.
Durante tempestades, elas desviavam a mira do vento.
Com seu tronco, seguravam os amontoados de neve, e evitavam
que a neve acabasse por soterrar os chalés rurais e pusesse vidas em perigo.
As grandes árvores da floresta impediam que grãos soprados
pelo vento entrassem pelas mínimas junções nos beirais dos telhados e pelas
soleiras das portas.
Isso elas faziam apanhando nos seus ramos frondosos a poeira
que o vento levantava dos campos.
As velhas árvores propiciavam uma felicidade luminosa e calma
ao coração de todos os que as viam ou que nelas se encostavam.
E assim, as velhas árvores, como os anciãos da aldeia, nunca
eram cortadas nem deixadas à míngua.
Na antiga tradição da terra natal, se essa árvore da qual
estamos falando tivesse tido uma morte natural, "no momento certo da sua
própria hora", só então ela teria sido derrubada, caso não tivesse caído
sozinha.
Do seu tronco, porém, seria tirado um pau de cumeeira, assim
como muitas escoras e ripas para forro. A partir daí, haveria uma casa cuja
estrutura seria construída com sua madeira.
A casa seria construída "ao alcance da visão" das
raízes da velha árvore. Isso para que todos pudessem dizer com orgulho:
"Está vendo? No
final da vida, essa árvore foi derrubada com a devida gentileza.
Ela então veio para um lugar bom e próximo sob uma nova
forma.
Seu amor por nós e nosso amor por ela nunca terminaram.
Ela ainda está conosco." Se, em vez de viver no
embotamento do mundo moderno — que às vezes pressiona os seres humanos a adotar
eficácias a curto prazo, em vez de um planejamento a longo prazo que mantenha
viva a generosidade da Natureza —, o grande choupo tivesse vivido na terra dos
antepassados, dos seus nós, os velhos sábios teriam esculpido tigelas que
acompanhassem os rios do seu veio.
As tigelas seriam usadas como recipientes para leite de égua
e para pão preto.
O pintor de imagens do povoado teria pintado na parede de
argamassa caiada da varanda da casa, abaixo do telheiro, um retrato do próprio
choupo — para demonstrar que as raízes da casa e as raízes da enorme árvore
estavam unidas por baixo da terra tanto quanto a céu aberto.
Mas isso era naquela época.
E um momento em que algumas pessoas se esquecem de que a
Natureza não é um desconhecido, mas faz parte da família.
Depois que o choupo foi derrubado, as pessoas tiveram muitos
sentimentos a respeito do seu fim — algumas ficaram impassíveis; outras, em
número muito maior, ficaram indignadas. Mas a maioria se sentiu desconcertada
com a destruição de um ser tão admirável — um ser que na maior parte do tempo
fornecia tudo para qualquer um que quisesse qualquer coisa.
A árvore avó: o repouso à sua sombra; o brilho das estrelas
atravessando sua copa à noite; uma criatura na qual era possível descansar; um
conforto no som incomparavelmente tranquilizador do vento nas folhas falantes.
Um lugar onde namorados podiam se demorar, um tronco no qual
alguém poderia se encostar para chorar, uma copa sob a qual espíritos afins
poderiam conversar em paz.
No local onde antes ela tocava o céu, havia agora um espaço
sinistro, um vazio, uma abertura escura que dava para lugar nenhum.
Nem mesmo os arbustos frondosos e as formas de samambaias que
viviam perto do chão — esses jamais poderiam compensar a falta da sua torre
verde.
Ao longo do ano, começou a acontecer alguma coisa com aquele
enorme cepo de choupo.
Então... teve início o que chamo de "um lento
milagre".
Do cepo liso sobre o qual a árvore viva um dia se erguera, cresceram 12 rebentos a partir da velha árvore avó. Direto para o alto. Fortes. Ondulantes. Dançando numa roda. Em cima do cepo. Em torno da sua borda... 12 árvores que dançavam.
As árvores jovens que cresceram a partir do corpo do velho
choupo eram obviamente suas filhas.
Elas não foram semeadas.
Elas surgem, "as muitas a partir de uma só".
Da mesma forma, essa grande árvore: as filhas provêm da raiz
mãe mais antiga; elas trazem tudo de volta à vida outra vez.
Não à vida estática.
Esse tipo de árvores com "rebentos" ocorre na
Natureza, porque a vida nova está armazenada na raiz — mesmo que a massa maior
acima da terra tenha sido derrubada, tenha sido levada dali — mesmo que a
vida de uma criatura não tenha sido tratada com o devido respeito, ou não tenha
sido gerada corretamente — mesmo quando cercada de apatia e indiferença. Mesmo
que a carapaça tenha sido partida e destruída. Imagine só: a partir do espaço
vazio, voltar não apenas com um novo rebento uma vez, mas com muitos.
Agora, com os ventos ousados, as folhas dessas arvoretas
altas e lindas estão sempre em movimento, sempre falando com mil reflexos de
verde.
Se isso não for um milagre, não sabemos nada sobre os
verdadeiros milagres.
Pois quem será capaz de dizer que alguma coisa querida que
foi rasgada e retalhada, morreu de verdade?
Quanto a qualquer mulher arrasada, quem poderá um dia começar
a avaliar que grande vida acabará por brotar dos seus cortes, dos seus
ferimentos — da eletricidade empurrada para cima a partir do seu cerne oculto?
Por mais que ela tenha sofrido mutilações profundas, sua raiz
radiante ainda está viva, ainda está produzindo e sempre estará à procura de
vida significativa a céu aberto.
Dentro da psique de muitas mulheres existe algo que entende
intuitivamente que o conceito de "curar" está incluído na palavra
"saúde".
Quando ferida, ela se torna "cheia de cura" — cheia
de recursos de cura — o que significa que algum filamento vibrante, gerador de
vida, no seu espírito e na sua alma se move persistentemente na direção da nova
vida, seja na busca de muitos tipos de forças, seja na reconstituição da
integridade perdida, seja na criação de um novo tipo de integridade, diferente
da que havia antes.
Essa força interna é cheia do impulso pelo bem estar.
Ela acredita num fator de salvação que pode resistir e há de
resistir à crueldade.
O sistema radicular oculto cresce a seu próprio modo,
independentemente de projeções, pressões e acontecimentos externos.
Ele continua
literalmente em efervescência, subindo em ebulição, fluindo para fora, para
cima, atravessando o que for preciso, não importa o que tenha sido disposto
contra ele.
Aí incluídas forças externas.
Aí incluída a própria mulher.
Mesmo quando a atuação do ego é temporariamente reprimida, a
mulher por baixo da terra, a que cuida do fogo para esse fim, mantém a atitude
pela vida — por mais vida! — que está sempre fazendo força para cima, sempre
insistindo em mais vitalidade e se desenrolando, sempre preservando mais e
sendo audaciosa e ponderada... e então mais um pouquinho, mais um pouquinho,
até que a árvore da vida a céu aberto equipare-se a seu amplo sistema de raízes
subterrâneas.
Quando falamos da criação da alma, aquela geração literal e
ordenada de um sistema radicular cada vez maior, de um território da alma cada
vez maior, conquistado e plenamente habitado, estamos vivendo como vive uma
árvore gigante...
Ela não manda a energia só para cima.
A medida que cresce acima do solo, ela envia energia de volta
para baixo, com instruções para que o sistema radicular se intensifique, que
busque mais nutrição, reações mais ponderadas às condições... tudo para dar
apoio à copa cada vez maior lá em cima.
Não é diferente na vida de uma mulher.
Qualquer uma que tenha registrado seus sonhos e observado
como eles estimulam e moldam seus dias; e como o seu dia-a-dia também
influencia seus sonhos, sabe que existe um relacionamento complementar entre
sua vida exterior e sua vida interior.
Nos melhores casos, cada uma alimenta a outra e a torna
sábia.
O fundamento inextinguível dentro de uma mulher empurra a
"força da vida" para cima, para sua mente, seu coração e espírito.
Se ela prestar atenção, se escutar, obterá "ideias",
em outras palavras, "filhas" brotarão dela na forma de ideias novas e
vibrantes por uma vida maior e com mais significado.
À medida que uma mulher cresce a céu aberto na realidade
consensual, ela também ordena a expansão do seu sistema radicular para que sua
visão profunda, a audição mais cuidadosa e a mente mais perspicaz também se
expandam.
Trata-se de um processo em série, atemporal, sagrado,
acionado pela atenção consciente ao modo pelo qual a psique amadurece de uma
jovem menina para uma sábia vibrante, dançante, aprimorada pelo tempo.
Poderíamos aventar a hipótese de que um ciclo de energia
armazenada como esse resida no inconsciente psicóide — Jung descreveu o
inconsciente psicóide como um lugar na psique em que a psicologia e a biologia
poderiam se influenciar mutuamente.
Na verdade, porém, permanecem misteriosas para nós as origens
dessa força que sempre brota na direção não só da vida mais plena, mas da vida
em expansão, uma vida em que as árvores filhas crescem direto da raiz da mãe
sábia...
Podemos saber, mas não sabemos dizer com muita precisão onde
e como tudo isso ocorre.
A poesia faz-se necessária para explicar a força vital de uma
mulher: a dança, a pintura, a escultura, os ofícios do tear e da terra, o
teatro, os adornos pessoais, as invenções, escritos apaixonados, estudo em
livros e nos nossos sonhos, conversas com outras que sejam sábias, o atento
intuir, refletir, sentir e pressentir... criações e realizações de todos os
tipos são necessárias ... pois existem certos assuntos que as palavras
concretas isoladas não conseguem expressar, mas que as ciências, contemplações
do que é invisível porém palpável, e as artes conseguem.
Entretanto, no meio de qualquer tempestade ou contentamento,
a bela força da vida estará para sempre preservada pela mulher, que sempre se
esforçará para que se saiba que consertos e impulsos começam novamente no
próprio momento em que somos destruídas.
Assim, essa força interior atua como uma grana mère, a maior
das avós, a essência da sanidade e da sabedoria da alma que sempre nos guia e
que jamais nos abandonará.
Essa fonte misteriosa é vivenciada por meio daqueles
conhecimentos nítidos e úteis que parecem chegar inesperadamente e por
intermédio de origens invisíveis; em sonhos noturnos ousadamente explícitos ou
intricadamente emaranhados; em explosões de energias e ideias eficazes que
surgem aparentemente do nada; na súbita certeza de que se está sendo chamada
para algo que necessita do nosso amor, dos nossos pontos de vista ou dos nossos
toques; na inesperada determinação de interferir, dar as costas ou caminhar
naquela direção.
Como a velha sábia que aparece de repente em contos, essa
fonte que guarda o estopim dourado se manifesta mediante exortações interiores
para que atuemos discretamente ou com exuberância; no impulso perspicaz de
criar mais uma vez, valorizar mais fundo, consertar melhor, proclamar mais
longe, proteger a vida nova.
À primeira impressão dessa prova atemporal pode ser estudada
também nas mulheres de carne e osso.
Aquelas que estão sempre procurando reter
significados, em vez de criar alianças somente com os perecíveis; as que
anseiam por florir e estão, hesitantes ou firmes, desenvolvendo os ovários para
florescer plenamente e com frequência; as que lutam para pertencer a si mesmas
e estar no mundo ao mesmo tempo, talvez em sequência, talvez todas juntas;
mulheres que estão lutando para se tornarem fontes de semeadura, cujo
lançamento de sementes procura espaço, e que, no pensamento e na ação, viajam
muito além da sua conhecida terra natal.
A força e presença da maior das
mulheres, a velha sábia, a grana mère, a maior das mães, é encontrada naquelas
que são desde um pouco até muito perigosas, através da sua noção e disposição
para pôr em risco ideias e existências desprovidas de alma, seja dentro de si
mesmas, seja do lado de fora.
A prova dessa fonte sábia e misteriosa, nas
raízes, é o que sempre se encontra em mulheres que estão aprendendo e que
anseiam por aprender mais, que desenvolvem uma visão interior, que não serão
impedidas de prosseguir nem silenciadas, que, a respeito de coisas profundas ou
glórias que pareçam à primeira vista intimidantes, não dizem... "Isso eu
não posso fazer", mas preferem perguntar a si mesmas: "O que eu
preciso reunir para poder fazer isso?"